Jack Tramiel. O judeu polaco que sobreviveu a Auschwitze se tornou pioneiro dos computadores para o povo
O Commodore PET 2001 foi um dos primeiros PC. O 64 foi o mais vendido. O slogan era simples: “Para as massas, não para as classes”
Numa entrevista, em 2004, à revista alemã “Data Welt”, Jack Tramiel despachou em duas penadas a história da sua vida antes de chegar aos Estados Unidos. “Nasci em Setembro de 1928 em Lodz, Polónia. Tive de permanecer na Alemanha durante a guerra. Em 1947 emigrei para os Estados Unidos e alistei-me no exército, principalmente para aprender a língua inglesa e receber formação profissional.”
Um resumo dos seus primeiros 19 anos de vida, em que este judeu polaco, de seu nome verdadeiro Jacek Trzmiel, passou pelo suficiente para muitas existências. Quando os nazis invadiram a Polónia em 1939, Lodz tinha a segunda maior comunidade judaica da Europa (a seguir a Varsóvia). A 19 de Janeiro de 1945, quando as tropas soviéticas chegaram, dos 230 mil judeus da cidade, mais os 25 mil que para lá tinham sido transferidos durante a guerra, restavam 877.
Tramiel é o homem que criou a Commodore – em 1954, em Nova Iorque, e depois a mudou para Toronto – para fazer máquinas de escrever, que a seguir vendeu um dos modelos de calculadoras programáveis mais populares da América do Norte e mais tarde a transformou em pioneira da informática (convencido por Chuck Peddle) com base na ideia de democratizar os computadores (“computers for the masses, not the classes”). É também o homem que ganhou a guerra dos preços nos anos 80 ao tornar o C64 o computador mais vendido de todos os tempos (22 milhões) e em 1984 se demitiu depois de uma guerra interna, para voltar e bater a empresa que fundara com a guerra dos tribunais através da Atari. Para ele os negócios eram uma guerra e não havia guerra que gostasse de perder.
Em 1993, foi um dos co-fundadores do Museu do Holocausto em Washington, onde mandou colocar numa das paredes a inscrição: “Para Vernon W. Tott, meu libertador e herói”. Tott, também conhecido por Anjo de Ahlem, fazia parte da 84.a Divisão do exército americano que, em Abril de 1945, libertou os prisioneiros do campo de trabalho de Ahlem, em Hanover, na Alemanha, para onde Tramiel foi enviado com o pai depois de passar por Auschwitz. Para trás ficaria a mãe, que morreria no maior campo de extermínio nazi. O pai também morreu antes do final da guerra, oficialmente de tifo, mas Tramiel garante que foi em consequência de uma injecção com gasolina.
Como muitos outros sobreviventes judeus, Tramiel fez tudo para garantir que a sua sobrevivência fazia sentido. Formou-se na escola da IBM, aprendeu a reparar máquinas de escrever, conduziu um táxi até juntar dinheiro suficiente para fundar uma empresa que começou com 200 máquinas de escrever compradas em segunda mão às Nações Unidas.
Daí passaria para as calculadoras programáveis e para os computadores, nos anos 70, campo em que a empresa seria pioneira, com o lançamento do PET 2001 na feira de Chicago de 1977. Foi um sucesso mas não tão grande como o Commodore 64, lançado em 1982, a arma que usou para tornar os computadores ferramentas democráticas ao alcance de todos.
Tramel deixou a Commodore em 1984 por divergência com o rumo da empresa (o futuro viria a provar que tinha razão, pois a Commodore International desapareceria em 1994, depois de declarar falência). Tramiel haveria de comprar a Atari, que vendeu em 1996. Domingo morreu, aos 83 anos, na sua casa em Monte Sereno, na Califórnia. As razões da morte não foram avançadas, mas a mulher e os três filhos podem garantir que Jacek Trzmiel, sobrevivente do gueto de Lodz, de Auschwitz e do campo de trabalho de Ahlem, não viveu em vão.
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